Joaquim Wanga: “Vivemos momentos muito difíceis no Bié”

Aos 71 anos, Joaquim Wanga tem muitas recordações. Militante do MPLA, desde os 26 anos, foi o segundo homem do partido, na altura da guerra pós-eleitoral, em 1992, quando os militares da UNITA dominavam o Planalto Central. Ao Jornal de Angola, fala do seu passado na tropa colonial, a experiência que levou para as FAPLA e o sofrimento da população do Bié, na altura em que as tropas da UNITA decidiram arrasar a província. A população foi obrigada a fugir. Milhares não tiveram a sorte de Joaquim Wanga. Antes da proclamação da Independência, pelo Presidente Agostinho Neto, já acreditava no triunfo do MPLA. No dia da Independência não esteve em Luanda, mas diz ter acompanhado, através da Rádio Nacional de Angola. Era apenas a confirmação do que ele e outros professores já sabiam

Como o senhor Wanga vem parar ao Cuito, depois de Catabola?
Logo que terminei o ensino primário, fui professor pela Missão Católica de Entre-Rios, a partir de 1967, no centro Católico de Chiteque e na Vitata, na Comuna de Chiúca. Em Maio de 1971, fui para a tropa colonial, com 21 anos. Fiz a recruta no Ex- R-20, em Luanda. Depois, com a especialidade de atirador fui enviado à Sá da Bandeira (actual Lubango), na Huíla. Depois fui seleccionado para trabalhar no quartel da Força Aérea, no Futungo de Belas, em Luanda, onde hoje está a UGP. No tempo colonial, chamava-se Batalhão de Caçadores Paraquedistas nº 21. Lá fiquei três anos. Terminado o período militar voltei para o Bié e, como fiz o segundo ano do ensino médio da Educação em Luanda, permitiu-me o enquadramento na Educação, como professor, em 1974.

Foi de forma obrigatória para a vida militar ou voluntária?

Olha, era voluntária e obrigatória, porque quem não tivesse cumprido a vida militar, não teria acesso ao emprego no Estado ou na Função Pública. Então, era obrigatório, porque mesmo com um nível de escolaridade aceitável, sem o currículo militar ninguém era aceite na Função Pública.

Quando regressa ao Bié, como surge na Educação?

Tive que requerer novamente, porque nos dois primeiros anos fui professor particular na Missão Católica. Em 1974, ingresso como quadro do Ministério da Educação com a categoria de professor eventual. Comecei a dar aulas na Missão Católica da Jamba, em Camacupa, onde já havia estado quando criança. Mas, com o surgimento dos movimentos de libertação (MPLA, UNITA e a FNLA), eu, os meus irmãos e outros professores, vivíamos na Missão Católica da Jamba.

Como era o Bié na fase antes da Independência?
Olha, foram proclamadas três independências, no dia 11 de Novembro de 1975, mas apenas a proclamada pelo saudoso Dr. Agostinho Neto, em Luanda, foi válida. Outras proclamações foram no Huambo, pela UNITA e, no Norte, creio que deve ter sido no Uíge, pela FNLA. Em Fevereiro de 1976, quando as FAPLA libertam o Bié, nos juntámos às forças do Governo para participar nas tarefas que o período exigia. Por essa razão, enquadrei-me, em Fevereiro de 1976, na Organização de Defesa Popular (ODP), na sede de Camacupa. Fui sendo promovido, talvez pela minha habilidade, inteligência e, dada a experiência adquirida no Exército Português, passei para instrutor da ODP em Camacupa. Depois passei a chefe das operações.

Na altura já era militante do MPLA?
Não. Entrei como militante em 1976. Tinha os meus 26 anos. Logo após a nossa fuga da missão para a sede do município. Mas, quando fui a Cuba, já era militante. Ocupei a secção da vida interna do partido e secretário provincial das Brigadas Populares de Vigilância (BPV) até à sua extinção. Depois, passei para secretário para os assuntos económicos e sociais. Com o desaparecimento físico do camarada Felisberto Domingos Ngunga, que era o segundo secretário, tive de assumir o cargo de segundo secretário, a pedido do partido, em 1992, depois das primeiras eleições gerais.

Voltando à Independência, como foi o estado emocional, social e a ansiedade da população durante esta fase, no Bié?

Em 1975, como resultado dos desacordos entre os movimentos de libertação, podemos falar dos acordos de Mombaça (Quénia) e Alvor, em Portugal, onde cada líder dos três partidos achava que devia ser o Presidente (Savimbi queria ser o presidente de Angola, Holden Roberto também), nestes desacordos, aparece a divisão dos movimentos de libertação nacional. O MPLA ficou na capital do país, a UNITA criou a sua capital no Huambo e a FNLA, no Uíge. Na altura, eu estava em Camacupa, em 1975. Apesar de não termos participado da grande festa da proclamação da Independência, em Luanda, acompanhámos através da Rádio, porque a correlação de forças era favorável ao MPLA e devido à ideologia na altura, o socialismo, eu e outros professores ficámos mais próximos do partido.

Desde a Independência, o cenário aqui no Bié, já era agitado?
Sim. Porque a UNITA era apoiada pelas forças sul-africanas. Achava que, com este apoio, atingiria Luanda antes do dia 11 de Novembro e Savimbi proclamaria a independência. No Norte, Holden Roberto também achava que estaria em Luanda para a proclamação da independência. A UNITA já estava nas áreas do Cuanza-Sul, mas sabíamos que o MPLA iria vencer. Sabíamos que a FNLA, com o apoio dos zairenses, seria derrotada. O MPLA, apesar das diversas dificuldades, venceu.

Na era, antes e durante a proclamação da Independência, já havia muitos militantes do MPLA, no Bié?

Não, não havia. Porque a UNITA achava que a província era território de sua pertença e, por causa das mensagens negativas que eles passavam, as pessoas foram aderindo à oposição de forma obrigatória.

Havia muitos portugueses na altura no Bié?
Alguns. Só que os portugueses estavam divididos, uns apoiavam o MPLA outros a UNITA, mas em Camacupa havia muitos brancos. E, quando Savimbi perguntou à população se conheciam os buracos das formigas, a população respondeu sim. Foi ali, que ele exemplificou com a frase: " Se alguém pusesse o pé no buraco das formigas elas sairiam muito mais?”. A população respondeu  não. E os portugueses entenderam a parábola e fugiram para o seu país.

Como estavam as forças da segurança na época antes da Independência?
O país já estava dividido. Quem quisesse ir de uma localidade para outra tinha de ter uma guia de marcha assinada pela UNITA, caso contrário não podia se movimentar. Foi muito difícil”.

É possível lembrar alguns nomes de comandantes no Bié, na altura?
Vem-me agora à memória, o camarada Kussúmua, o Caiundo e o Martins, na comuna do Cunje. Depois veio o comandante Simione Mucume, que aguentou a guerra até à ampliação das fileiras defensivas.

Como foi assumir o cargo de primeiro secretário do MPLA, em 1992?

Foi muito complicado. Mas sabíamos das consequências do abandono de uma localidade. Alguns conseguiram sair pelo Cuanza-Sul, outros foram massacrados pelo inimigo e levados pelas correntes da água dos rios, fazendo a travessia, porque era em tempo chuvoso. Tivemos que nos juntar nas Forças Armadas. Éramos apenas 16 mil militantes do MPLA no Bié, em 1992. Quando ampliou-se a cintura defensiva do Cuito, havíamos conseguido aumentar o número de militantes para mais de 160 mil. Todos os novos militantes que ingressaram no MPLA eram provenientes da UNITA e fui autorizado a assinar os cartões de militantes, porque não havia comunicação com Luanda e o trabalho, aqui, no Bié, tinha de avançar. O camarada Luís Paulino dos Santos tinha sido atingido pelos estilhaços durante um bombardeamento no Palácio. Um dos vice-governadores exercia o papel de governador, creio que era o camarada Marques Bango.

Quando é que estes acontecimentos se deram?
Isto foi em 1992. O camarada Luís Paulino dos Santos, depois de atingido, foi evacuado para Luanda, sem formas de regressar. Novamente, tive que, cumulativamente, assumir o cargo de primeiro e segundo secretário do MPLA, até ao fim dos confrontos durante o cerco do Cuito.

Nota crescimento social desde a Independência até aos dias de hoje, no Bié?
Sim. O desenvolvimento é paulatino. Há construção de escolas, recuperação de algumas estradas e outros. Por exemplo, um ganho importante é o retorno da circulação dos comboios do CFB, cuja existência data desde 1920. Na era colonial havia comboios de carga, de passageiros e tinha grande movimento com a transportação de mineiros para o Porto do Lobito na ligação com a Zâmbia. Porque as grandes indústrias moageiras estavam no Huambo e Benguela”.

Pedro João Cassule Manuel Manuel

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