BNA quer mais crédito à economia e vê sinais positivos na banca comercial
O Banco Nacional de Angola (BNA) decidiu, na última reunião do Comité de Política Monetária, pela redução da “Taxa Básica de Juro (Taxa BNA)” de 18 para 17 por cento; da “taxa de juro da Facilidade Permanente de Cedência de Liquidez” de 18 para 17 por cento e da “taxa de Juro da Facilidade Permanente de Absorção de Liquidez” de 14 para 13,5 por cento.
Esta medida do BNA é vista pelo mercado como um sinal claro de que o regulador quer mais crédito na economia nacional junto dos operadores bancários, mas ao mesmo tempo também é criticada, por certa franja que entende existir espaço para cortes maiores. Contudo, existem outros, tal como o banco central, que se reservam num conservadorismo por acharem que a conquista do controlo e as últimas descidas da taxa de inflação, medida pelo Índice de Preços no Consumidor, não podem ser colocadas em perigo nessa fase.
Excepção feita à reunião de Novembro, em que o BNA decidiu manter inalteradas as principais taxas, desde Setembro, o banco central angolano iniciou com um contra ciclo da economia internacional (que sobe cada vez mais juros) e de 20 por cento, valor de Agosto, a Taxa BNA reduz até aqui 3,0 pontos percentuais (300 pontos base), ficando-se agora nos 17 por cento. Mas, há mesmo quem defenda que se pode chegar aos 15 ou 14 por cento sem que isso coloque em risco as conquistas da inflação, que já este ano, poderá voltar a um dígito, ou seja ter-se uma taxa de inflação abaixo dos 10 por cento.
Para o governador do Banco Nacional de Angola (BNA), o conjunto de medidas adoptadas, conjunta com as autoridades do Governo, permitiram trazer o sentido de estabilidade nos preços e na economia.
José de Lima Massano afirmou que, havendo melhoria nas condições de preços não há razões para o BNA manter as taxas de juro com sentido, excessivamente, conservador, mas ainda "avança com prudência e a observação que é feita é do registo de uma clara estabilidade nos preços dos principais produtos”.
Com essa medida, disse Lima Massano, o BNA cria espaço para que o crédito possa ser concedido em melhores condições.
Segundo disse, as empresas e cidadãos com crédito, em moeda nacional, indexada a Luibor, podem mesmo no espaço de 90 dias ressentir das medidas adoptadas, sobretudo com referência a Janeiro.
Impacto dos cortes na taxa de juros
Os quatro economistas ouvidos pelo Jornal de Angola sobre o impacto do corte nas taxas de juro, medida adoptada pelo Comité de Política do Banco Nacional de Angola (BNA), ao meio da semana, concordam, ao menos, no facto de que, os cortes são necessários e favorecem o crédito à economia.
Para o economista e analista de risco Alberto Vunge, não é o primeiro corte que o BNA faz num período de menos de 12 meses, mas os efeitos de transmissão para o sector real não se viram nos cortes anteriores. Para ele, bastará olhar para as taxas activas dos bancos comerciais, que continuam iguais. "Isto demonstra que outros factores e não o custo do dinheiro pesam mais na estrutura do preço do dinheiro que a banca comercial pratica. É esperar para ver os efeitos, mas as experiências recentes dizem-nos que não haverá impacto”, explica.
Sobre isso, o economista e também docente Wilson Chimoco entende que a decisão do BNA foi acertada, pois está alinhada, por um lado, com aquilo que era a expectativa do mercado e, por outro lado, pelo bom desempenho da taxa de inflação e da taxa de câmbio nos últimos dois meses. Contudo, considera que a dimensão do corte foi pouco ambiciosa, o que faz existir reduzida possibilidade de produzir efeito sobre a economia real.
Segundo Wilson Chimoco, as taxas de juro de referência estão todas acima das taxas Luibor (acrónimo inglês de Taxa Interbancária de Oferta de Fundos do Mercado de Luanda), que de resto servem como referência/indexantes para a concessão de crédito à economia real e aos particulares. Ou seja, explica Wilson Chimoco, hoje, os bancos estão a conceder crédito com taxas de juro abaixo dos 17 por cento (Luibor + spread), porque a Luibor com a maturidade mais longa, 12 meses, já está a 12 por cento, isto é, 500 pontos base abaixo da Taxa BNA e da Taxa de Facilidade Permanente de Cedência de Liquidez que, em tese, são o referencial dos bancos para o custo de obtenção de recurso.
Contudo, o impacto na economia real poderá vir a sentir-se se os operadores do mercado interiorizarem o sentido da decisão do BNA como sinónimo de mais estabilidade nos preços (para além da afectação do custo do crédito na economia, a redução da taxa de juro é fundamental para a gestão das expectativas dos operadores na economia), facto que poderá contribuir para a redução na apetência à especulação de preços na economia, o que poderá reduzir o potencial de queda do poder de compra das famílias e reduzir a pressão sobre a negociação de contratos salariais mais ajustados à evolução dos preços, factos que se apresentam fundamentais para uma maior estabilidade da economia real.
Já a economista e consultora financeira Euriteca André entende que esta última redução da taxa de referência do BNA não deverá causar grandes impactos nas condições monetárias, mas poderá contribuir para o ajustamento de deficiências existentes no mercado financeiro. Para a académica, essa medida poderá gerar ligeiro aumento do crédito na economia real e contribuir para melhorias de preços a nível da economia real. Com essa redução, disse, o Comité de Política Monetária desagrava as condições monetárias e busca assegurar a estabilidade com a desaceleração da evolução dos preços na economia.
Ainda nesse capítulo, outro economista e docente da Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto, Mário Ndala, entende que a redução da taxa de juros de referência pelo Banco Nacional de Angola pode ter um impacto positivo na economia, pois pode(rá) estimular o investimento e o consumo ao tornar o crédito mais acessível. No entanto, avança, é importante que o BNA monitore de perto os efeitos da medida para evitar possíveis consequências negativas, como o aumento da inflação.
Descartada para já regresso à "lista cinzenta” do GAFI
Na conferência de imprensa que promoveu, no final da reunião do Comité de Política Monetária, o governo do Banco Nacional de Angola também abordou sobre a reunião do mês de Abril do Grupo de Luta Contra a Lavagem de Dinheiro da África Oriental e Austral, na sigla em inglês ESAAMLG, a decorrer em Arusha, na Tanzânia, onde Angola deverá apresentar os argumentos de defesa à avaliação feita, recentemente, ao país, estando em cima da mesa, na opinião de vários fazedores de opinião, um regresso do país à "lista cinzenta” do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI), com a consequência de nova saída dos correspondentes bancários do país e uma nova dificuldade de transacção nos mercados internacionais e a obtenção de divisas.
De acordo com o BNA, ainda não é em Abril que se vai decidir se o país entra ou não, imediatamente, à chamada "lista cinzenta”. Tal ocorre só após um processo e dependendo da avaliação feita ao relatório de Angola e as justificações apresentadas.
Sobre a avaliação do grupo africano do GAFI, Mário Ndala acredita nas do governador do BNA, que afirmou, recentemente, ter já Angola um plano para corrigir deficiências no combate ao branqueamento de capitais e evitar a inclusão na lista cinzenta do GAFI.
Mário Ndala cita o vice-governador Pedro Castro e Silva, segundo quem o país está a aguardar a decisão do GAFI, que pode ser de não incluir o país em nenhuma lista, de reforçar o acompanhamento ou de incluir na lista cinzenta. Lembra que, caso seja necessário um acompanhamento reforçado, Angola vai ter um ano para corrigir as deficiências e que a decisão final só será efectivada em 2024. Conforme reiterou o docente da FDUAN, Mário Ndala, "O BNA já tem o seu plano de acção aprovado e técnicos do regulador angolano estão em Arusha, na Tanzânia, para responder às avaliações do relatório de avaliação de Angola”, cita o governador.
Nesse capítulo Wilson Chimoco é mais pessimista e afirma que, infelizmente, sim. Para ele, as possibilidades são consideráveis e a constatação é feita com base nas irregularidades que o próprio BNA tem vindo a detectar sobre o cumprimento de recomendações das operações suspeitas de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo.
"Basta ver os relatórios trimestrais do BNA a respeito. Mas, também pelo registo de elevado nível de operações não identificadas em sede da Balança de Pagamento - em dois anos o BNA já registou mais de 5 mil milhões de dólares de erros e omissões -, e também pelo registo de operações e adjudicações directas de importantes contratos públicos sem concurso, nas alterações da estrutura accionista de importantes instituições financeiras no país sem clarificação dos reais beneficiários, entre outras situações pouco abonatórias à transparência.
Já Alberto Vunge diz existir uma preocupação manifestada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) neste sentido. Para ele, esta preocupação não é vã, e quer dizer que algo não vai bem. "Precisamos melhorar as medidas de segurança do sistema”, afirma.
Para Euriteca André a recente aprovação da Estratégia Nacional e Linhas Gerais do Plano para a Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, Financiamento ao Terrorismo e à Proliferação de Armas de Destruição em Massa em vigor desde a segunda quinzena do corrente mês reforça a pretensão do Executivo de proteger, cada vez mais, a estabilidade e a integridade do Sistema Financeiro Angolano, a segurança interna do país e promover um desenvolvimento económico sustentável. Lembra que Angola apresentou uma evolução significativa na prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, fortes indicativos para manter-se fora da lista cinzenta do GAFI.
Os conceitos "Lista Cinzenta” e "Lista Negra”
No domínio da cooperação financeira internacional, as designações "lista cinzenta” reporta a países comprometidos em alinhar e melhorar as práticas e normas de governação monetária e financeira, mas ainda assim de regimes fiscais pouco cooperantes em matéria de combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. A outra, conhecida como "lista negra”, figura nela os países não cooperantes e que se lhes imputa apoio claro a actividade de branqueamento de capitais e ao financiamento ao terrorismo. Como consequência, as organizações internacionais retiram quaisquer correspondências e cooperação, o que agrava a posição das nações implicadas no comércio internacional.
Queda do Credit Suisse em pouco ou nada afecta Angola
O Banco Nacional de Angola fez saber que o país não tem nenhuma instituição bancária exposta na relação com o Credit Suiss, situação que afasta quaisquer consequências, relativamente à falência do banco suíço ao sistema bancário nacional.
Os quatro economistas também comentaram sobre a extensão ou não para Angola de consequências com a falência do Credit Suisse, alinhados, no fundo, a visão do banco central angolano.
Euriteca André entende que, relativamente aos problemas do Credit Suisse, até ao presente momento, não há motivo para preocupações com o banco suíço. Entretanto, deve-se ficar vigilante aos futuros eventos. Para ela, caso a crise não se prolongue e não gere maiores impactos no sistema financeiro internacional, não se deve esperar impactos significativos na economia angolana. Por outro lado, caso os efeitos da crise se estendam e se agravem, pode-se verificar sim impactos negativos na economia nacional decorrentes do efeito sistémico da crise.
Para Alberto Vunge, o sistema financeiro angolano não está, definitivamente, integrado no sistema mundial.
"Basta ver o facto das medidas de política monetária do BNA serem independentes das medidas das principais economias a nível mundial. Todo o mundo está a aumentar as taxas de referência, mas o BNA está a cortar e não há vendas financeiras. Isto quer dizer que somos independentes. Não estamos integrados”, afirma.
Face a isso, o economista e consultor afirma ser então pouco provável que o país seja afectado, enquanto a crise se mantiver financeira.
"Precisa evoluir para crise económica para que comecemos a sentir os impactos de forma directa”, esclarece.
Wilson Chimoco também alinha na ideia de não afectação imediata, directamente.
Segundo disse, não há indicações de que o Governo angolano tenha saldos positivos no Credit Suisse. Todavia, adianta, o mesmo não pode ser dito de investimentos de particulares, mas mesmo que venha a existir, diz não acreditar que sejam suficientes para pressionar a economia angolana. Contudo, em termos indirectos, explica o docente universitário, investigador e consultor da Ngola Papel, pode sim e já está a afectar.
"O que sabemos, até ao momento, é que o que acontece lá fora impacta a economia angolana por três vias: preço de petróleo; risco de crédito do país; e taxas de juro dos activos denominados em moeda estrangeira. E, o que estamos a assistir, (dados das duas últimas semanas, é a queda do preço do petróleo para níveis abaixo do previsto em sede do OGE (75 USD/barril). Em segundo lugar, as agências de notação de risco já estão em alerta e, possivelmente, irão manter as perspectivas de risco ou mesmo baixar a classificação de muitos países, e Angola poderá apanhar por tabela. E por último, os mercados financeiros estão a registar perdas significativas, o que poderá pressionar as participações da Sonangol no exterior - Galp Energy, Millennium BCP, etc - e reduzir a rentabilidade das aplicações das Reservas Internacionais e dos investimentos do Fundo Soberano de Angola”, disse.
Todos estes factores combinados, disse Wilson Chimoco, podem, por arrasto, reduzir a posição do país em moeda estrangeira, pressionar ainda mais a entrada de investimento estrangeiro e reduzir a capacidade do BNA intervir no mercado cambial, se for necessário.
Já Mário Ndala resume que o problema do Credit Suisse poderá ter consequências para Angola se houver algum tipo de envolvimento do banco angolano em transacções suspeitas relacionadas ao país. Se o Credit Suisse for penalizado pelas suas actividades ilícitas, pode haver uma fuga de investidores estrangeiros e uma redução no acesso ao crédito internacional, o que pode prejudicar a economia angolana.