Quer Patrice Lumumba, a partir de Julho-Agosto de 1960 tal como evidenciou a PIDE, quer Cyrille Adoula em Fevereiro-Março de 1961, ambos governantes do Congo-Leopoldville concordavam em apoiar uma luta conjunta entre UPA e MPLA contra Portugal (MABEKO-TALI, 2019, p.134). A data de 15 de Março de 1961 é, por um lado, vista como início da guerra colonial em Angola.
Importa salientar que as orientações de Leopoldville não eram militares, para além da pouca preparação dos jovens rusgados. Verificaram-se quatro momentos. O primeiro foi de confiar os segredos aos pastores ou filhos de pastores que estavam ligados aos militares e às populações. O segundo foi dos políticos divididos entre dirigentes da UPA-Leopoldville, da UPA-Matadi, da UPA-Sansala e UPA-Bazombo: o seu plano era ambicioso, não se divorciou do cristianismo e o objectivo político não-concreto. O terceiro momento foi talvez a mais consistente, dos militares desertados e ex-cabos. O último momento foi das acções confundirem-se com ódio racial, como vingança dos maus tratos.
Planeamento
A geografia é importante em matéria de guerra: conhecer o clima, o território e contar com os habitantes. Treinar os líderes locais contou com apoio dos pastores, mas estes últimos opunham-se a matar pessoas. A UPA-Sansala e a UPA-Leopoldville eram constituídas pela elite, de maneira que a UPA-Bazombo era maioritariamente executora. A dada altura, esta última negou ser sacrificada, mas o tempo era escasso para encontrar outra solução. No sábado dia 4 de Março, a senha foi criptografada: (1) «casamento do Sr. Nogueira»; (2) «nsuka-nkuka: aurora/crepúsculo»; (3) «quem atacar: limpar as fazendas»; (4) «mulheres e crianças abandonarão as povoações»; (5) «ñsôngi-líderes das acções: soldados desertados e sipaios aliados»; (6) «protecção de mfînda/mata onde se irá refugiar a população civil»; (7) «eliminar pretos traidores»; (8) «queimar lixo».
No dia seguinte, 5 de março, Holden Roberto viajou para Nova Iorque com o fim de preparar a opinião pública. Ao passar por Túnis, ele avisa Josie Fanon (esposa de Franz) para ficar atenta no dia 15 de Março. No dia 12 de Março, realizaram-se reuniões restritas em 8 localidades entre Bengo, Malanje, Kwanza Norte, Uige e Zaire por conta da senha. Mas, um conflito silencioso acompanhava as orientações no que diz respeito à liderança das acções. No Bengo, por exemplo, havia a figura de Ferraz Bomboko que era militante do MPLA, mas em estreita correspondência com a liderança da UPA-Sansala (a partir de Viegas Paulo). A UPA-Bazombo partilhou a senha com a ALIAZO, o que levou Emanuel Kunzika e Nsanda Martin à ONU. O embaixador do Congo Brazzaville na ONU, Emmanuel Dadet, serviu-se dos seus "lobbies” junto das outras delegações diplomáticas. Curioso é que não foi Holden Roberto nem Kunzika que confidenciou com ele.
15 de Março madrugou com chamas
Uma parte do código foi «nsuka-nkuka: aurora e crepúsculo» Isto é, as acções começariam na madrugada e terminaram no pôr-de-sol. Na prática, começaram às 6h00 e terminaram às 22h00. Armados com catanas e armas de fogo rudimentares, integrantes da UPA e outros nacionalistas- já se encontravam, a partir do dia 13/03/1961, em diferentes localidades: Nsoyo, Mbanza Kôngo, Makela ma Zômbo, Ambrizete, Negaje, Mucaba, Sanza Mpombo, Baixa de Casanji, nos Dembos, Namboangongo, etc. Não se preocupou do day-after. Não se sabe porque a UPA pensava alcançar os seus objectivos num só dia.
«Naquela data (15/03/1961) houve uma série de levantamentos populares contra cerca de trinta pequenas aldeias, postos administrativos e plantações de café, situados em duas zonas distintas do Nordeste angolano: ao longo da fronteira com o Congo, nas proximidades de São salvador, e nas regiões dos Dembos até cerca de 120 km de Luanda» (HENDERSON, 1990, p.306). Franco Nogueira fez observar que plantações e casas solitárias são saqueadas e incendiadas; aldeias são arrasadas; é posto cerco a vilas e pequenas povoações, cortando-lhe os abastecimentos; vias e meios de comunicação ficam destruídos» (NOGUEIRA, 2011).
Um dia antes, foram identificados os «pretos traidores». Em tese, diz-se que eram indivíduos oriundos de Mbayilundu ou da etnia Umbundu, em geral, que eram fiéis aos fazendeiros e comerciantes portugueses. Na prática, até os próprios Kôngo "infiéis” não foram poupados. Aos traidores, foram cortadas as cabeças. Embora a UPA tenha fortes evidências de uma organização tribal, descartamos a hipótese de que tenha sido uma "guerra tribal”. Talvez, aceitemos um tom bastante elevado do racismo colonial ao analisar os feitos. Por outro, verificou-se ajustes de conta entre os protestantes e católicos.
Numa acção que levou 14 horas, perto de 800 portugueses perderam a vida, sem contar centenas de "pretos traidores”. Holden Roberto perdeu o controlo das coisas, pois pouco se fez para coordenar as orientações e acautelar, in loco, a execução. Emanuel Kunzika que era cristão preferiu calar-se devido à banalidade da vida humana. Se os combatentes da UPA mostrassem disciplina nas orientações, o número das vítimas portuguesas seria maior e qualitativo (militar). A senha «queimar lixo» orientava atacar campos e pessoas militares. Mas na prática, verificou-se pouco êxito nessa táctica.
Segundo Wheeler e Pélissier, «a táctica estava errada: para serem bem-sucedidos, o massacre e as mutilações dos europeus deviam ter sido levados a cabo, no máximo, em dois ou três dias, e numa base suficientemente ampla (pelo menos, quatro a cinco mil vítimas), para causar o pânico geral entre os europeus em Angola» (WHEELER; PÉLISSIER, 2016, p.256).
As missões protestantes não poderiam ser atacadas devido à anatomia social dos combatentes da liberdade. Daí, as missões protestantes – tidas como aliadas – foram encerradas posteriormente. Os pastores baptistas no norte e pastores metodistas em Luanda/Malanje e nos arredores foram responsabilizados das atrocidades de 15 de março, alguns sofreram retaliações (HENDERSON, 1990, pp.307-309).
Consequências
Como consequência, em maio de 1961, 60.000 angolanos refugiaram-se nos países vizinhos, com realce para o Congo-Kinsâsa. Em dezembro do mesmo ano, foram 150.000 refugiados angolanos nos países vizinhos, segundo estatísticas das Nações Unidas (CHILCOTE, 1967, p.59). A UPA enfraqueceu-se pela inoperacionalidade que lhe impunha a sua estrutura: UPA-Sansala, UPA-Bazombo, UPA-Leopoldville, UPA-Matadi, etc. O dia-after de 15/03/1961 não foi pensado a longo prazo, além de desperdiçar a oportunidade de atacar os dispositivos militares («queimar lixo»): sem ordens, sem oficiais que ordena e ter Holden Roberto deixado de comunicar com o comando (headquarter), a revolução depauperou. Simão Toco disponibilizou-se a ajudar o regresso dos tocoístas que fugiram e não só.
Contudo, a luta armada de Libertação de Angola tornou-se evidente e foi tratada nas arenas diplomáticas internacionais. A UPA viu-se obrigada a reestruturar-se, por um lado. Por outro, a necessidade de uma especialidade militar como sua apêndice foi tida como opção para rentabilizar a luta armada.
Bibliografia
HENDERSON, Lawrence, (1990), A Igreja em Angola, Lisboa: Editorial Além-Mar
MABEKO-TALI, Jean-Michel (2019), O MPLA perante si próprio: Guerrilhas e lutas sociais – 1960-1977, Lisboa: Mercado de Letras
MARCUM, John (1969), The Angolan Revolution. Vol. I. The Anatomy of Explosion (1950-1962), Cambridge, Massachussetts, Londres: The M.I.T.
NGANGA, Paulo (2008), O Pai do nacionalismo angolano. As memórias de Holden Roberto, Vol. 1923-1974, São Paulo: Editora Parma
NOGUEIRA, Franco (2011), Salazar – A resistência (1958-1964), Lisboa: Civilização Editora
SANTOS, Eduardo dos (1972), Movimentos proféticos e mágicos em Angola, Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda
_______, (1965), Maza, Lisboa: edição do Autor
WHEELER, Douglas; PÉLISSIER, René, (2016), História de Angola, Lisboa: Tinta-da-China.