A consciência armou-se em busca da Liberdade


Quer Patrice Lumumba, a partir de Julho-Agosto de 1960 tal como evidenciou a PIDE, quer Cyrille Adoula em Fevereiro-Março de 1961, ambos governantes do Congo-Leopoldville concordavam em apoiar uma luta conjunta entre UPA e MPLA contra Portugal (MABEKO-TALI, 2019, p.134). A data de 15 de Março de 1961 é, por um lado, vista como início da guerra colonial em Angola.

Segundo a PIDE, em Dezembro de 1960, o MPLA traçou a «guerra revolucionária como estratégia fundamental», ao passo que a UPA – em Novembro-Dezembro de 1960 – mobilizou secretamente a população de maneira que conseguiu 153 desertores e ex-cabos entre Malanje, Uige, Bengo, Kwanza Norte, Zaire. São estes que constituíam o dispositivo militar e treinavam os jovens. Foram realizadas rusgas nas cidades de Leopoldville e Matadi, entre Dezembro e Março: no total, cerca de 428 jovens integraram a guerrilha.

Importa salientar que as orientações de Leopoldville não eram militares, para além da pouca preparação dos jovens rusgados. Verificaram-se quatro momentos. O primeiro foi de confiar os segredos aos pastores ou filhos de pastores que estavam ligados aos militares e às populações. O segundo foi dos políticos divididos entre dirigentes da UPA-Leopoldville, da UPA-Matadi, da UPA-Sansala e UPA-Bazombo: o seu plano era ambicioso, não se divorciou do cristianismo e o objectivo político não-concreto. O terceiro momento foi talvez a mais consistente, dos militares desertados e ex-cabos. O último momento foi das acções confundirem-se com ódio racial, como vingança dos maus tratos.

 

Planeamento

A geografia é importante em matéria de guerra: conhecer o clima, o território e contar com os habitantes. Treinar os líderes locais contou com apoio dos pastores, mas estes últimos opunham-se a matar pessoas. A UPA-Sansala e a UPA-Leopoldville eram constituídas pela elite, de maneira que a UPA-Bazombo era maioritariamente executora. A dada altura, esta última negou ser sacrificada, mas o tempo era escasso para encontrar outra solução. No sábado dia 4 de Março, a senha foi criptografada: (1) «casamento do Sr. Nogueira»; (2) «nsuka-nkuka: aurora/crepúsculo»; (3) «quem atacar: limpar as fazendas»; (4) «mulheres e crianças abandonarão as povoações»; (5) «ñsôngi-líderes das acções: soldados desertados e sipaios aliados»; (6) «protecção de mfînda/mata onde se irá refugiar a população civil»; (7) «eliminar pretos traidores»; (8) «queimar lixo».

No dia seguinte, 5 de março, Holden Roberto viajou para Nova Iorque com o fim de preparar a opinião pública. Ao passar por Túnis, ele avisa Josie Fanon (esposa de Franz) para ficar atenta no dia 15 de Março. No dia 12 de Março, realizaram-se reuniões restritas em 8 localidades entre Bengo, Malanje, Kwanza Norte, Uige e Zaire por conta da senha. Mas, um conflito silencioso acompanhava as orientações no que diz respeito à liderança das acções. No Bengo, por exemplo, havia a figura de Ferraz Bomboko que era militante do MPLA, mas em estreita correspondência com a liderança da UPA-Sansala (a partir de Viegas Paulo). A UPA-Bazombo partilhou a senha com a ALIAZO, o que levou Emanuel Kunzika e Nsanda Martin à ONU. O embaixador do Congo Brazzaville na ONU, Emmanuel Dadet, serviu-se dos seus "lobbies” junto das outras delegações diplomáticas. Curioso é que não foi Holden Roberto nem Kunzika que confidenciou com ele.

Estava agendado para dia 15 de Março de 1961 um debate na ONU. A senha «Sr. Nogueira vai-se casar em 15 de Março» foi interceptada pela PIDE (NGANGA, 2008, p.110), mas sem saber aonde, quem e como. A UPA-Leopoldville foi a fonte da CIA e John Kennedy ficou a saber do «15 de Março» antes da chegada de Holden Roberto a Nova Iorque. American O Committee On Africa (ACOA) considerou de rumor, mesmo quando os pastores locais mantinham – a partir do dia 8 de março – intensos contactos com sipaios e ex-militares angolanos. O reverendo Clifford Parsons escreveu: «Com alguma ingenuidade, a UPA fez saber que algo iria acontecer no dia 15 de março; mas as autoridades  recusaram-se a levar isso a sério, de modo que o ataque inicial foi um sucesso terrível» (MARCUM, 1969, p.140). A PIDE suspeitava do cónego Manuel das Neves da UPA-Leopoldville e, também, dos Tocoístas. Entre 8 e 13 de março, a PIDE  certificou-se de que o padre católico facilitava os "rebeldes” e os focos tocoístas eram propícios para a rebelião. A ACOA partilhou informações com Angelino Alberto (através da UPA-Leopoldville) e mobilizou os kimbanguistas e tocoístas que na verdade eram uma força considerável anticolonial na época (SANTOS, 1972, pp.376-381). Angelino Alberto era kimbanguista-tocoísta, liderava o partido Nto-BAKO e foi a Nova Iorque com os custos da viagem patrocinados pelo Departamento de Justiça e ACOA.

15 de Março madrugou com chamas

Uma parte do código foi «nsuka-nkuka: aurora e crepúsculo» Isto é, as acções começariam na madrugada e terminaram no pôr-de-sol. Na prática, começaram às 6h00 e terminaram às 22h00. Armados com catanas e armas de fogo rudimentares, integrantes da UPA e outros nacionalistas- já se encontravam, a partir do dia 13/03/1961, em diferentes localidades: Nsoyo, Mbanza Kôngo, Makela ma Zômbo, Ambrizete, Negaje, Mucaba, Sanza Mpombo, Baixa de Casanji, nos Dembos, Namboangongo, etc. Não se preocupou do day-after. Não se sabe porque a UPA pensava alcançar os seus objectivos num só dia.

«Naquela data (15/03/1961) houve uma série de levantamentos populares contra cerca de trinta pequenas aldeias, postos administrativos e plantações de café, situados em duas zonas distintas do Nordeste angolano: ao longo da fronteira com o Congo, nas proximidades de São salvador, e nas regiões dos Dembos até cerca de 120 km de Luanda» (HENDERSON, 1990, p.306). Franco Nogueira fez observar que plantações e casas solitárias são saqueadas e incendiadas; aldeias são arrasadas; é posto cerco a vilas e pequenas povoações, cortando-lhe os abastecimentos; vias e meios de comunicação ficam destruídos» (NOGUEIRA, 2011).

Um dia antes, foram identificados os «pretos traidores». Em tese, diz-se que eram indivíduos oriundos de Mbayilundu ou da etnia Umbundu, em geral, que eram fiéis aos fazendeiros e comerciantes portugueses. Na prática, até os próprios Kôngo "infiéis” não foram poupados. Aos traidores, foram cortadas as cabeças. Embora a UPA tenha fortes evidências de uma organização tribal, descartamos a hipótese de que tenha sido uma "guerra tribal”. Talvez, aceitemos um tom bastante elevado do racismo colonial ao analisar os feitos. Por outro, verificou-se ajustes de conta entre os protestantes e católicos.

Numa acção que levou 14 horas, perto de 800 portugueses perderam a vida, sem contar centenas de "pretos traidores”. Holden Roberto perdeu o controlo das coisas, pois pouco se fez para coordenar as orientações e acautelar, in loco, a execução. Emanuel Kunzika que era cristão preferiu calar-se devido à banalidade da vida humana. Se os combatentes da UPA mostrassem  disciplina nas orientações, o número das vítimas portuguesas seria maior e qualitativo (militar). A senha «queimar lixo» orientava atacar campos e pessoas militares. Mas na prática, verificou-se pouco êxito nessa táctica.

Segundo Wheeler e Pélissier, «a táctica estava errada: para serem bem-sucedidos, o massacre e as mutilações dos europeus deviam ter sido levados a cabo, no máximo, em dois ou três dias, e numa base suficientemente ampla (pelo menos, quatro a cinco mil vítimas), para causar o pânico geral entre os europeus em Angola» (WHEELER; PÉLISSIER, 2016, p.256).

As missões protestantes não poderiam ser atacadas devido à anatomia social dos combatentes da liberdade. Daí, as missões protestantes – tidas como aliadas – foram encerradas posteriormente. Os pastores baptistas no norte e pastores metodistas em Luanda/Malanje e nos arredores foram responsabilizados das atrocidades de 15 de março, alguns sofreram retaliações (HENDERSON, 1990, pp.307-309).

 

Consequências

Como consequência, em maio de 1961, 60.000 angolanos refugiaram-se nos países vizinhos, com realce para o Congo-Kinsâsa. Em dezembro do mesmo ano, foram 150.000 refugiados angolanos nos países vizinhos, segundo estatísticas das Nações Unidas (CHILCOTE, 1967, p.59). A UPA enfraqueceu-se pela inoperacionalidade que lhe impunha a sua estrutura: UPA-Sansala, UPA-Bazombo, UPA-Leopoldville, UPA-Matadi, etc. O dia-after de 15/03/1961 não foi pensado a longo prazo, além de desperdiçar a oportunidade de atacar os dispositivos militares («queimar lixo»): sem ordens, sem oficiais que ordena e ter Holden Roberto deixado de comunicar com o comando (headquarter), a revolução depauperou. Simão Toco disponibilizou-se a ajudar o regresso dos tocoístas que fugiram e não só.

Contudo, a luta armada de Libertação de Angola tornou-se evidente e foi tratada nas arenas diplomáticas internacionais. A UPA viu-se obrigada a reestruturar-se, por um lado. Por outro, a necessidade de uma especialidade militar como sua apêndice foi tida como opção para rentabilizar a luta armada.

 

Bibliografia

HENDERSON, Lawrence, (1990), A Igreja em Angola, Lisboa: Editorial Além-Mar

MABEKO-TALI, Jean-Michel (2019), O MPLA perante si próprio: Guerrilhas e lutas sociais – 1960-1977, Lisboa: Mercado de Letras

MARCUM, John (1969), The Angolan Revolution. Vol. I. The Anatomy of Explosion (1950-1962), Cambridge, Massachussetts, Londres: The M.I.T.

NGANGA, Paulo (2008), O Pai do nacionalismo angolano. As memórias de Holden Roberto, Vol. 1923-1974, São Paulo: Editora Parma

NOGUEIRA, Franco (2011), Salazar – A resistência (1958-1964), Lisboa: Civilização Editora

SANTOS, Eduardo dos (1972), Movimentos proféticos e mágicos em Angola, Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda

_______, (1965), Maza, Lisboa: edição do Autor

WHEELER, Douglas; PÉLISSIER, René, (2016), História de Angola, Lisboa: Tinta-da-China.

Pedro João Cassule Manuel Manuel

• Desejo fazer parte da equipe e actuar na ária de informática. Acredito que poderi executar meus conhecimentos teóricos e práticos e ajudar no crescimento da empresa e do grupo de trabalho.

Enviar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem