Cacimbo: uma época assolada por doenças do foro respiratório

O país vive, desde 15 de Maio, o tempo de frio, vulgo Cacimbo. Este período, com duração de apenas três meses, sucedeu à época chuvosa, que inicia a 15 de Agosto.

Durante o tempo quente ou chuvoso, segundo os especialistas, o país é assolado, maioritariamente, por casos de malária e doenças diarreicas. Já na época fria, são as doenças respiratórias que arrastam para as unidades de saúde boa parte da população.

No mundo, as doenças respiratórias causam uma imensa carga negativa na saúde global. Dados de organizações internacionais que trabalham no combate a essas enfermidades estimam que 235 milhões de pessoas sofrem de asma, mais de 200 milhões têm doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e 65 milhões enfrentam DPOC moderada ou grave.

Entre as milhares de pessoas com doenças do foro respiratório, em Angola, está o jovem Pedro António, de 26 anos, que está internado no Hospital Divina Providência, em Luanda, por conta de uma infecção micro-bacteriana progressiva crónica, ou seja, tuberculose.

Na verdade, os problemas pulmonares são já de umas semanas, mas passaram a ter maior impacto nos últimos dias, antes do internamento. No início, o jovem ignorava a situação, por isso, não chegou a ir ao hospital.

"Achei que fosse uma dor passageira. Só agora descobri que sofro de uma doença grave, mas que pode ser tratada nos hospitais. Por isso, estou aqui”, realçou.

Mas, antes de ir ao hospital, Pedro continuava a consumir bebidas alcoólicas e a fumar. Os resultados desse desleixo são visíveis no corpo emagrecido do jovem, que o encontramos de tronco nu.

Apesar de bom conversador, o jovem, que calçava um tipo de chinelas a que os angolanos baptizaram por "Facilita”, tinha muitas dificuldades de terminar as ideias, uma vez que as falas eram interrompidas pela constante tosse.  Os escarros depositavam-os num copo descartável que tinha por perto e coberto por papel.

Antes do diagnóstico, Pedro sentia cansaço com facilidade, fraqueza, emagrecia, tinha suores nocturnos, além de dores torácicas. "Agora, luto para sair dessa e voltar às minhas actividades normais”, disse esperançoso.

Para inverter o quadro da doença, Pedro António é submetido a um tratamento à base de um esquema básico de alguns fármacos como rifampicina (um dos agentes antituberculosos), isoniazida e etambutol.

Tal como Pedro António, o Hospital Divina Providência regista a entrada de vários pacientes com problemas do foro respiratório, entre adultos, jovens e crianças.

 

Aumento de casos na Divina Providência

Depois da conversa com Pedro António, a equipa de reportagem do Jornal de Angola manteve um diálogo com o director clínico do Hospital Divina Providência, Kalume Alberto, em que este confirmou que, neste período de cacimbo ou estação seca, os casos de infecções respiratórias agudas apresentam um aumento considerável e se observa, em geral, a redução do número de internamentos, sobretudo na pediatria, por situações de malária e doenças diarreicas.

Simples na forma de esclarecer os factos, o médico ressaltou que, com o aparecimento da pandemia de Covid-19, o quadro epidemiológico nacional mudou. Por exemplo, no hospital, dados do ano passado, dão conta que foram registados 18.292 casos de doenças respiratórias agudas, sendo 11.920 de infecções respiratórias superiores e 6.372 inferiores. A esses juntam-se os 1.138 doentes com amigdalite.

Entre os casos verificados de doenças respiratórias agudas, Kalume Alberto avançou que 9.260 correspondem ao sexo feminino e 9.032 ao masculino. Já em relação aos casos de infecção respiratória superiores, o médico destacou que os dados representam 51,5 por cento de pessoas do sexo feminino infectadas e 48,5% do sexo oposto.

Acrescentou que os casos de amigdalite indicam para 666 no sexo feminino e 472 para o masculino.

 

Cuidar mais do ambiente

O especialista em Saúde Pública Domingos Cristóvão confirmou que, durante o período de cacimbo, as doenças mais frequentes são as respiratórias agudas, produzidas por vírus, bactérias e fungos que atacam o sistema respiratório.

Em Angola, as doenças do foro respiratório mais comuns são as rinites, asma-bronquitas, pneumonia e a bronquiolite, tendo em conta que abarrotam o Sistema Nacional de Saúde, sobretudo o público.

Domingos Cristóvão acrescentou que o número de doenças respiratórias tende a aumentar nesse período. Por exemplo, se alguém respirar e deitar gotículas com vírus no meio ambiente, estas podem ser captadas por uma outra pessoa que era saudável e contrair a doença.

"Nos locais de alta concentração populacional, essas doenças são transmitidas com muita frequência e geram grandes consequências”, disse, para destacar que a propagação é rápida e, isso, torna grande o fluxo de pessoas que acorrem aos hospitais. Nos menores de cinco anos, o especialista em Saúde Pública esclareceu que o sufactante, o hormónio que prepara o tecido do pulmão, por não se encontrar ainda concluído, nessas circunstâncias fica vulnerável.

Domingos Cristóvão considerou que a realidade dos países africanos é diferente da dos outros continentes, tendo em conta as condições relacionadas com o saneamento básico.

Por isso, o especialista em Saúde Pública apelou para a necessidade de se criarem medidas para melhorar o ambiente, no sentido de as pessoas viverem sem proliferação de poeira, defecação ao ar livre, nem poluição da atmosfera.

 

Principais sintomas no doente

Na abordagem com Pedro António, internado numa das salas masculinas do Hospital Divina Providência, onde está com mais um paciente, o jovem realçou que sentia fadiga, emagrecia e tinha dor torácica.

Os sinais referidos por Pedro, segundo o especialista em Saúde Pública, são motivos de alerta para as pessoas procurarem pelo médico. Domingos Cristóvão referiu que boa parte desses pacientes acaba por ter constipação nasal (o que significa que o nariz pode ficar entupido, deitar uma secreção), tosse, rouquidão, dor torácica e dificuldade na respiração (as chamadas dispneia).

Para o especialista, esses sinais podem agravar-se e criar uma inflamação aguda, fazendo com que apareça uma febre, tosse produtiva, dor torácica mais frequente e a dificuldade respiratória pode ser geralmente inspiratória, dificultando   a entrada e saída de ar.

 

Crianças menores de cinco anos são as mais afectadas

Sobre as principais vítimas dessas doenças, o médico fez saber que todas as pessoas podem ser acometidas pelas enfermidades respiratórias agudas, mas a gravidade recai mais para as crianças menores de cincos anos e pessoas com idades acima dos 75 anos.

Explicou que os jovens que consomem alimentos que contêm vitamina C e outros imunomoduladores (são substâncias que actuam no sistema imunológico e potencializam a resposta orgânica a determinados microrganismos, incluindo vírus, bactérias, fungos e protozoários) apresentam menos chances de contrair essas doenças. "E, se apanharem, existem menos grau de gravidade”, disse.

Domingos Cristóvão realçou a necessidade de uma maior promoção dos programas específicos que existem no país para o controlo das doenças respiratórias.

Por exemplo, referiu que o Programa Nacional de Saúde Pública tem um Departamento de Doenças Infecciosas que tem feito a promoção da saúde, protecção dessas doenças, tratamento e controlo. Domingos Cristóvão esclareceu que as pessoas com doenças crónicas não transmissíveis do foro respiratório, como a asma-brônquica, devem entrar para o quadro do Programa de Doenças Infecciosas Crónicas, em que existe uma equipa que monitora, controla, avalia e cadastra o Sistema de Saúde em todo o país.

Porém, disse que a nível da Organização Mundial da Saúde (OMS) há um programa específico para o controlo das doenças respiratórias.

 

Alimentação saudável é a melhor forma de prevenção

Muitos doentes como Pedro António ignoram, inicialmente, os conselhos médicos e continuam a usar cigarro e bebidas alcoólicas, o que agrava o estado de saúde, segundo os especialistas. Mas, Domingos Cristóvão alerta que, mesmo as pessoas que se acham saudáveis, devem evitar esses vícios.

Para o especialista, no período de frio é preferível que as pessoas consumam frutas, vegetais e legumes, por serem produtos que contêm diferentes formas de vitaminas. "Devemos evitar o uso de bebidas alcoólicas e alimentos frescos e optar por água natural, chá e leite quente”, aconselhou o médico.

Por outro lado, o especialista explicou que uma das formas de prevenção dessas doenças é acorrer ao Programa de Vacinação Contra Doenças Respiratórias e aos antígenos, que fazem parte do Calendário Alargado de Vacinação. Domingos Cristóvão acrescentou que outra maneira de se prevenir das doenças respiratórias, além da melhoria do saneamento básico, é a vestimenta. O especialista em Saúde Pública referiu que as roupas devem ser as que cobrem o corpo todo, de modo a evitar a exposição da pele ao frio.

No fim da conversa, o médico voltou à questão do saneamento básico, para chamar a atenção que é necessário que o Estado e a população participem na higienização da atmosfera e do solo.

"As pessoas não devem deitar escarros e lixo no chão”, referiu o médico. Essa questão levou-nos ao cenário assistido no Hospital Divina Providência, onde todos os pacientes internados carregavam consigo uma garrafa ou copo descartáveis, onde depositavam os escarros.

  Estatísticas no Dom Alexandre do Nascimento lideradas por casos de tuberculose

Elias Gonçalves é médico pneumologista colocado no Complexo Hospitalar de Doenças Cardio-vasculares Cardeal Dom Alexandre do Nascimento, onde as tuberculoses dominam a lista de casos no período de cacimbo.

O especialista em Pneumonia explicou que essa situação é devido às crises respiratórias, diabetes e cancro, estes últimos que são encaminhados ao Serviço de Oncologia.

Nessa fase de cacimbo, disse que há agravamento de casos em indivíduos que têm doenças prévias, como os asmáticos e brônquicos específicos, sendo que os que fazem uso de cigarros apresentam maiores possibilidades de terem crises.

O pneumologista explicou que existe, também, um grupo de pessoas com sequelas de tuberculose, que vão se comportar como indivíduos com doenças crónicas.

 

Situação merece maior atenção

Elias Gonçalves avançou que em cada 300 mil habitantes, pelo menos 100 mil pessoas padecem de doenças respiratórias. "Essas pessoas vão produzir o maior índice de escarros e de proliferação bacteriana”, alertou.

Em função disso, o médico avançou que as elas podem aparecer novamente aos serviços de urgências com dificuldades respiratórias", disse, acrescentado que essas pessoas não têm uma nova tuberculose, mas desestruturação da sua via aérea.

Quanto ao tempo para serem tratadas essas doenças, o pneumologista disse que os casos agudos são curados e passam logo. Porém, as situações crónicas têm a possibilidade do reaparecimento de episódios. Acrescentou que, devido às crises recorrentes, surge, naturalmente, um problema ligado à capacidade de poder aguentar aquilo que é a demanda do processo respiratório, que tem a função específica de colocar oxigénio no organismo. O pneumologista explicou que, se um indivíduo tem essa limitação, vivendo sob insuficiência respiratória crónica, passa a ter dificuldade na prática de alguns exercícios.

 

Alerta para os perigos do cigarro electrónico

Elias Gonçalves avançou que nas consultas a nível do complexo hospitalar tem recebido vários jovens que fazem uso de cigarros. "Muitos desconhecem que o tabagismo é um problema convencional que acaba por criar grandes probabilidades de causar doenças pulmonares”.

Quanto aos cigarros electrónicos, o pneumologista ressaltou que, do ponto de vista de comercialização, passa-se a ideia de que aquilo não tem tantas complicações, mas estudos dos últimos cincos anos provam o contrário. "Os cigarros electrónicos têm a possibilidade de criar problemas respiratórios mais sérios. Esses indivíduos não têm histórico de doenças pulmonares prévias, mas podem aparecer com quadros respiratórios exuberantes”, alertou.

Elias Gonçalves informou que a exposição a essas substâncias electrónicas tem sido um gatilho para as doenças respiratórias.

  Asma domina cenário mundial na população adulta

Pelo menos, 1 a 6 por cento da população adulta (mais de 100 milhões de pessoas) sofrem de distúrbio respiratório do sono, 8.7 milhões de pessoas desenvolvem tuberculose (TB) anualmente, milhões vivem com hipertensão pulmonar e mais de 50 milhões de pessoas lutam contra doenças pulmonares ocupacionais, o que totaliza mais de um bilião de paciente com algum problema respiratório crónico.

As estatísticas internacionais referem que cerca de dois biliões de pessoas estão expostas aos efeitos tóxicos do consumo de combustível de biomassa, um bilião está expostas à poluição do ar externo e igual número à fumaça do cigarro.

Segundo os dados, a cada ano, mais de quatro milhões de pessoas morrem prematuramente de alguma doença pulmonar crônica, sendo que crianças são, particularmente, susceptíveis.

Aliás, nove milhões de crianças menores de cinco anos, morrem em todos os anos e as doenças pulmonares estão entre as causas mais comuns desses óbitos. A pneumonia é a principal responsável por mortes de menores em todo o mundo.

A asma é a doença crónica mais comum, afectando cerca de 14% das crianças em todo o mundo, e esse número tem aumentado, numa altura em as DPOC é a quarta principal causa de mortes em todo o mundo e os números também vêm crescendo.

O cancro letal mais comum no mundo é o do pulmão, que mata mais de 1,4 milhões de pessoas por ano e os números registam um a-umento significativo.

Entretanto, as infecções no trato respiratório, causadas por gripes, matam de 250 mil a 500 mil pessoas e têm um custo anual de 71 a 167 biliões de dólares.

As infecções respiratórias são classificadas como o maior contribuinte individual para a carga geral de doenças no mundo, conforme medido em Esperança de Vida Corrigida pela Incapacidade (EVCI) perdida, que estima a quantidade de perda de vida activa e produtiva devido à alguma doença.

A carga de EVCI é composta por duas medidas: anos de perda de vida (YLL), que é o potencial de anos de perda de vida para a pessoa através da sua morte prematura, e anos vividos com incapacidade (YLD), para levar em consideração os anos de vida com incapacidade.

O EVCI é calculado pela soma dos dois: EVCI = YLL + YLD. Essa medida é, às vezes, chamada de carga da doença.

Pedro João Cassule Manuel Manuel

• Desejo fazer parte da equipe e actuar na ária de informática. Acredito que poderi executar meus conhecimentos teóricos e práticos e ajudar no crescimento da empresa e do grupo de trabalho.

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